Filas e filas para comprar um ingresso de show, seja ele qual fosse. Horas e mais horas em pé ou sentado no chão, aguardando a vez. Cansaço, irritação, fome, sede, “guarda meu lugar aí, que vou no banheiro”, coisas assim. O que tornava tolerável esse tempo de espera eram as conversas sobre música, sobre outros shows ou, seja lá mais o que fosse, desde que fosse sobre o bom e velho Rock’n’Roll (assim, com letra maiúscula). E, quem diria, esse tempo maçante me traria saudades.
Acho que a única coisa verdadeiramente democrática que o ser humano inventou foi a fila. A chamada “fila indiana”, um atrás do outro. Quem chegar primeiro compra primeiro. Nada mais justo. Às vezes alguém tenta furá-la, mas logo há uma manifestação coletiva dos que estão mais atrás e o espertinho se redime e vai lá para o final.
Mas de uns tempos para cá a coisa vem ficando estranha, e se agravou nesse último show do Pearl Jam. Foi anunciada a venda de ingressos para a apresentação, e clientes Citibank, Credicard ou Diners, tiveram preferência na compra dos primeiros lotes, que rapidamente acabaram. Mais lotes foram postos a venda, a organizadora Tickets For Fun manteve a segregação de compra, e com a mesma velocidade os ingressos chegaram ao fim. Muita gente querendo ir, “opa! show extra anunciado”, mais ingressos, mesma segregação... Os ingressos se esgotaram. Resumo da ópera: só vão ao show os clientes Citibank, Credicard e Diners. Nada democrático isso, e totalmente contra o espírito Rock’n’Roll.
Detesto discursos panfletários, mas está mais que nítida a segregação dada pelo poder de capital. Esse não é o primeiro, e acho que não será o último, show em que isso acontece. O que me surpreende é que tenha acontecido com o do Peral Jam: em 2005 eles fizeram duas apresentações em São Paulo, limitaram a venda de ingressos a quarenta mil e proibiram a venda de bebidas alcoólicas dentro dos shows. Gosto de tomar uma cervejinha, mas achei louvável essa atitude, já que era contra grandes indústrias que faturam horrores com nossa desgraça. Não sei se a banda tem idéia da situação atual, de que essa venda segregada esteja acontecendo, mas acho que, seis anos depois do primeiro show, o dinheiro tenha amolecido suas ideologias. Triste.
Costumo dizer que a última banda de Rock’n’Roll que pisou nesse planeta foi o Nirvana (banda contemporânea ao Pearl Jam). Pode ser radical e pretensioso de minha parte acreditar que depois deles mais ninguém foi digno do título de “grande banda de Rock”, mas vendo como a grana vem correndo entre pautas musicais, acho que esse mérito ainda é deles. A gravação do seu último álbum – In Utero – foi marcada pelas discussões da banda com produtores e gravadora, com esses últimos querendo algo mais pop. A banda, nem aí para a fama, (e nessa época o Nirvana já era a maior banda Rock que existia) manteve sua opinião e o álbum saiu pesado como queriam. Tempos depois Kurt Cobain meteu uma bala na cabeça e virou mito. O último mito do Rock que, de lá pra cá, só teve modismos e bandas mais manjadas do que andar pra frente.
Não acredito numa juventude sem rebeldia. Hoje a molecada quer é fama, roupas da moda e coisas que o consumismo aprova. Nada na geração atual do Rock vale a pena ser ouvido. Tudo gira em torno do mercado. Todos, bandas e fãs, viraram pura e simples mercadoria. Não há como não ser saudoso no atual momento.
O Rock’n’Roll é preto! Não esse arco-íris emo pop e vazio de hoje. Símbolos da “Anarquia!”, “Punks Not Death”, “Long Live Rock’n’Roll” foram substituídos por logotipos de grandes grifes. O analfabetismo ideológico impera numa geração que tem a sua disposição toda e qualquer informação sobre os mais variados assuntos, tudo via internet, sem sair de casa. Paradoxal isso? Acho que não. Numa sociedade consumista e de analfabetos funcionais, não dá para esperar nada além.
Quem for ao show do Pearl Jam, não se vanglorie por ter conseguido o ingresso. Isso se deu por você, momentaneamente, fazer parte de um grupo que foi selecionado por ter o mesmo poder de consumo, mesma afinidade de consumo. Nada mais do que isso. Essa segregação não é saudável, e num regime que se diz democrático, como o do Brasil, é, no mínimo, esquisito.
O Rock’n’Roll está adormecido e espero que as futuras gerações voltem a ter rebeldia, e que a fila seja novamente exercida de maneira democrática e humana, como sempre foi.
Juventude sem rebeldia não é juventude.