Muita gente fala que a Internet
está distanciando as pessoas, que as relações tornaram-se frias com o advento
da era digital e coisas do gênero, o que discordo completamente. Se a pessoa
não quer te ver, ela não quer te ver e ponto final. Fazer contato hoje é muito
fácil, quem não quer fazer é porque não está afim mesmo. Não é a internet que
provoca esse distanciamento. Na verdade não sei o que seria da amizade sem as
redes digitais, que se proliferam cada vez mais. Parece contraditória minha
opinião com o consenso geral sobre internet, mas você que está lendo esse
texto, logo vai entender onde quero chegar e o porquê da minha posição.
Minha infância foi igual à de
qualquer criança de periferia (na década de 1980), foi brincada na rua, com um
monte de outras, que faziam parte da mesma vizinhança ou do colégio. A amizade
era formada a partir de um território geográfico habitado em comum. Acabava a
aula, íamos para nossas casas guardar o material escolar e correr para a rua,
todo dia era assim até o fim do dia.
A adolescência (ou pré) deu as
caras e ao invés de nos juntarmos para brincar, ficávamos na esquina dessa
mesma rua que nos serviu de playground,
conversando sobre tudo quanto é coisa que nosso pouco conhecimento permitia e
nossa limitação territorial alcançava. E outras turmas de jovens se formavam em
outras esquinas e assim por diante. Existia até certa rivalidade entre alguns
grupos, o que acredito ser normal para a idade. Juventude sem rebeldia não é
juventude.
Com a idade avançando, a responsabilidade
chega junto: aos quatorze anos saíamos para procurar emprego (a lei ainda não
proibia), o que alterou totalmente nossa rotina de amizade: passávamos a nos
encontrar só anoite no colégio e a esquina ficava para os finais de semana. Quando
nos reuníamos, cada um contava sua nova experiência, sua expectativa e sobre as
novas amizades. Durante um bom tempo a esquina foi nosso ponto de encontro,
nossa sala de bate papo.
E o tempo passou, entramos em
faculdade, outro emprego, cursos extras e nesse entra e saí de instituições,
novas amizades são feitas, porém sem tanta substância, pois o único ponto de
união entre as pessoas é a instituição. E o desligamento de determinada instituição,
implicava também em deixar para trás muitos colegas. Adicionar em rede social,
isso ainda nem imaginávamos que pudesse um dia existir.
Uma das instituições por qual
passei e formei muitos amigos foi o Exército. Como todo jovem a beira dos
dezoito anos, eu não queria servir à pátria, mas... Serviço Militar
Obrigatório, isso já explica o meu ingresso na vida militar. Foram exatos um
ano um mês e dez dias de vida de soldado, nem preciso falar que muita coisa
aconteceu e que conheci muita gente. Éramos cento e vinte na mesma companhia, havia
quatro companhias diferentes, fazendo uma conta rápida, foram quase quinhentos
jovens que ingressaram juntos, somados os que já estavam lá, que optaram por
aquela vida... Aquela vida.
As baixas do exército são
concedidas em três momentos diferentes: a primeira com oito meses de
incorporação, a segunda com onze, a terceira e última com um pouco mais de
doze, que foi a minha. Fiquei até o último dia, até o fim. Fui o chamado NB - Núcleo
Base - (lembra daquela música do Ira!?). Lembro-me desse dia até hoje, um dos
mais felizes da minha vida, sem dúvida.
Com o fim do serviço militar
obrigatório, a maioria das amizades ganhou distância, outras até foram
esquecidas. Nessa época (1995), Internet era coisa de mega-nerd que tinha acesso a computador. E ser mega-nerd não era pra qualquer um. O PC também era algo distante,
de difícil acesso. Lembro que trabalhei numa empresa que só tinha um no
departamento e só uma pessoa é que sabia mexer nele. Não era como hoje, que o
PC virou um eletrodoméstico vendido em qualquer magazine, com prazos de
pagamento a sumir de vista. A produção em larga escala e a neoescravidão dos
trabalhadores em países asiáticos, barateou o PC e possibilitou seu acesso para
quase todo mundo do mundo todo. Nesse contexto de proliferação tecnológica é
que as redes sociais entram em campo e ganham grandes dimensões, adeptos e
reformulou nossas relações interpessoais.
Como todo brasileiro que teve
acesso à internet em meados dos anos 2000, ingressei no Orkut, rede social que virou febre e que recuperou muita coisa
relativa à amizade, acredito eu. Era (e é) muito fácil: é só lembrar-se do nome
da pessoa a ser encontrada e, caso ela também faça parte da rede, você irá
encontra-la. E foi o que aconteceu. Confesso que no começo achava essas redes
uma perda de tempo, uma bobagem total. Com certeza eu não havia entendido o
poder de integração entre as pessoas que essas redes proporcionam. Em pouco
tempo eu havia encontrado muita gente que fazia muito tempo que eu não tinha nenhum
tipo de contato nem notícia. O pessoal que estudou comigo no colégio, gente de
empresas que trabalhei, o pessoal do quartel... E através de um você chega a
outro e a outro e a outro... De repente tanta gente que eu nem lembrava que
existia mais, ressurgiu. A maioria do pessoal do quartel eu não via a pelo
menos uns quinze anos. É muito tempo e gente para guardar só na memória.
Nesse reencontro digital, formamos
uma comunidade no Orkut (Sim, servi a
PE em 94)
e começamos a nos falar. No começo juntamos vinte e cinco pessoas. Começamos a
tentar localizar quem não estava no grupo, a trocar ideias, fotos e fatos
esquecidos. O Orkut caiu de moda e
entrou o Facebook em seu lugar. Todos
migraram para a nova rede que crescia no país e começamos a encontrar mais e
mais gente, no Brasil e fora dele.
No dia da última baixa, um parente
de alguém levou uma câmera filmadora VHS, máquina e fita enormes, parecida com
aquelas que as redes de televisão utilizam. Eis que transformaram a filmagem de
VHS em arquivo AVI e isso foi distribuído entre nós. Foi emocionante rever esse
dia, a formatura completa de desincorporação. Toda vez que vejo esse vídeo fico
feliz novamente. Depois de convertido o vídeo em arquivo, ir parar no YouTube foi um pulo. A lembrança “upada” na rede, agora pode ser acessada e assistida
por qualquer um a qualquer momento.
O novo grupo no Facebook recrutou mais gente e só faltava agora nos encontrarmos. Foi o que
aconteceu: marcamos num sábado, num bar em que um do grupo trabalhava e em
determinada tarde estávamos lá, dezesseis anos depois da baixa. Vou dizer algo
totalmente clichê, mas foi como se um filme passasse na minha cabeça. As
lembranças tomaram conta da tarde, do ambiente e muita coisa que estava
esquecida veio à tona. Um lembrava de uma história e outro de outra, ficamos
sabendo o que um faz hoje, o que fez, quem casou, quem não engordou, quem ficou
careca, quem sumiu do mapa, quem morreu.
Esses encontros se multiplicaram e em
cada novo encontro surge alguém novo e novas conversas. Foram tantas as histórias,
as lembranças, que viraram um blog,
onde qualquer um pode escrever e colaborar com a memória coletiva.
Neste ano de dois mil e quatorze
faremos vinte anos de incorporação no 2º Batalhão de Polícia do Exército e
vamos celebrar o acontecimento! Tenho certeza que se não fossem as redes
sociais, nenhum desses reencontros teriam acontecido. Seriamos uma lembrança
que seria acessada somente por poucas fotos, que passariam boa parte do tempo
guardadas em alguma gaveta por aí.
Hoje qualquer novidade pode ser
contada via rede e todos do grupo ficam sabendo. Os laços foram reatados, as
pessoas reencontradas e essa nova esquina, esse novo ponto de encontro e troca
de ideias, com toda certeza, vai prolongar muitas amizades por muito tempo.
O último fora de forma.