04/01/2023

A mítica camisa 10


Com a morte do Rei Pelé, o maior jogar de futebol de todos os tempos, atleta do século, veio à tona um assunto que já foi sugerido tempos atrás: a aposentadoria da camisa 10, no time do Santos FC. Talvez até na seleção brasileira, defendem alguns. Mas vamos refletir sobre história, conquistas e reconhecimento.

Sabemos que no Brasil não se valoriza a história. O brasileiro, em sua maioria, não conhece sobre a própria história, não preserva a memória sobre o país, não preserva seu patrimônio histórico: literatura, memorabilia, prédios, personalidades, etc, nada é preservado por aqui. Inclusive ainda acreditamos que o que vem de fora é melhor. O vira-lata caramelo que há dentro de nós parece que sempre late mais alto.

O número 10 no futebol, antes do Pelé, era apenas um número. Ele mesmo jogou profissionalmente primeiro com a 13, depois com a 9 e finalmente com a 10 que, depois de Pelé, virou a mítica camisa 10. Todo mundo sabe que em qualquer time de qualquer lugar do planeta, quem ostenta o número 10 é o craque ou, pelo menos, é o melhor do time, o “diferente”. Quem inventou isso foi Pelé e o fez dentro de campo, jogando de maneira única. O chamado “gol de placa”, a comemoração com o soco no ar, o “gol que o Pelé não fez”, os dribles… Pelé reinventou o futebol. Num país que não valoriza sua história, até desdenha dela, aposentar esse símbolo de maestria, que levou anos para ser construído e difundido mundo a fora, é o primeiro passo para começar a esquecê-lo.

A primeira vez que o Pelé foi chamado de rei, foi por um jornal francês. Um reconhecimento estrangeiro de um jovem negro de um país desconhecido e subdesenvolvido, mas jovem esse que era incomparável em sua profissão. Se esperasse que o Brasil reconhecesse isso, morreria plebeu. Depois de uma pesquisa feita com jornalistas esportivos do mundo inteiro, os estadunidenses o elegeram o atleta do século. Dentre todos os esportes, o melhor. Vai demorar pelo menos 77 anos para sabermos quem será o próximo atleta do século. Há grandes chances de não ser único como é Pelé.

E ainda há brasileiro que crê que Pelé não foi tudo isso, que o Maradona foi o melhor. Nada contra o “hermano”, mas o 10 argentino não chega nem perto do brasileiro. Alguns acreditam que o Garrincha foi o melhor, mas o próprio “anjo de pernas tortas” afirmou que não. A molecada de hoje acredita que o Messi foi o melhor, ou o Cristiano Ronaldo, mas isso é uma questão geracional, alimentada pelo descaso natural com o qual encaramos nossa história.

Quando Pelé surgiu no final da década de 1950, época em que outros brasileiros também foram grandes campeões mundiais, o pugilista Eder Jofre e a tenista Maria Esther Bueno. Hoje poucos se lembram deles. São homenageados em datas específicas e nada mais.

Muito se tem falado sobre patriotismo, nesses últimos 4 anos. Cantar o hino nacional é ser “patriota”, ter uma bandeira em casa é ser “patriota”... Porém o descaso com a história do Brasil e de seus construtores, continua o mesmo. Acho que até se agravou. Ser patriota é também, e talvez principalmente, valorizar os grandes feitos dos brasileiros, seja qual for. O médico Carlos Chagas foi indicado duas vezes ao prêmio Nobel de medicina, em 1913 e 1921, mas não ganhou. Sabe por quê? Porque não teve apoio da classe médica brasileira. O próprio brasileiro sabotou o brasileiro. Marechal Rondon foi indicado duas vezes ao Nobel da Paz. Você já viu algum militar falando disso? Acho que nem sabem. Mais um ícone de nossa história que foi sabotado por seus pares. Nossos heróis da FEB - Força Expedicionária Brasileira - e da FAB – Força Aérea Brasileira – que arriscaram suas vidas na segunda guerra, alguns pereceram em campo de batalha... E quem lembra? Mal constam nos livros de história.

 Em 1990 os estadunidenses (a imprensa) fizeram uma pesquisa para saber quem eram as pessoas/marcas mais populares do mundo. Pelé ficou em terceiro, atrás do Papa João Paulo II e da Coca-Cola, e isso 13 anos depois de ter parado definitivamente de jogar futebol. Levando em consideração que a maior parte de sua carreira foi na era do rádio, o que esse ele fez, poucos fizeram, se é que tem outro semelhante.

Nesse país que desconsidera a própria história, aposentar a mítica camisa 10 é um erro. Os jogadores de hoje, e os de amanhã, que corram atrás da bola e façam por merecerem ser chamados de Dez, e lembrem-se sempre que o Rei foi o primeiro. Precisamos aprender a valorizar nossa história e a nós mesmos, brasileiros. O pontapé já foi dado há muito tempo, vida longa ao eterno Pelé.






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