08/05/2020

Sobre mães e paladares



  Mais um dia das mães se aproxima e a programação geralmente é a mesma (para quem pode): ir almoçar na casa da mãe. Relembrar o gostinho da comida da mamãe é sempre bom. Algumas vezes (também para quem ainda pode) essa reunião familiar acontece na casa a vovó, que segundo o dito popular, é mãe duas vezes, porque cria os filhos e depois os netos. E esse encontro de gerações, torna a refeição duas vezes mais saborosa.

 Os pais educam (ou educavam) os filhos de muitas maneiras: ajudam com o dever acadêmico, moldam o caráter no sentido moral, ensinamentos mais peculiares como o musical, trabalhos manuais e artísticos, e formam também o paladar. Há pais que também cozinham, mas no geral são as mães que botam a mão na massa. Principalmente da minha geração, em que um saía para ganhar o pão e outro cuidava do lar.

  Como cresci comendo (e muito) também nas casas dos meus avós, há sabores que aprendi a gostar, como o feijão da minha avó materna e a “marmota” que minha avó paterna fazia. Eu achava tão gostoso o feijão da minha avó materna que comia até os pedaços de cebola, coisa que eu não fazia em casa. Sempre fui chato pra feijão, inclusive. A “marmota” que minha avó paterna fazia era uma delícia! “Marmota” é um bolinho de polvilho doce, em forma de laço, que era frito e depois passado no açúcar ou canela, e era uma festa porque geralmente quando minha avó fazia, estamos vários primos reunidos. Bagunça geral! Minhas avós já se foram e levaram junto esse meu paladar. Já comi muito feijão bem feito, temperadinho e tal, inclusive o da minha mãe, mas um de mastigar a cebola, com gosto, esse se foi. A “marmota”, minhas tias fazem, minha mãe faz, mas... Falta algum toque diferente, um tempo a mais na fritura, um descanso a menos da massa... Não sei o que é, mas se foi também.

 Já a minha mãe faz pratos que considero especiais e que nunca comi melhor por aí: panquecas, almondegas, bolinho de bacalhau e torta de carne (ou frango) são imbatíveis. Uma vez, numa empresa em que trabalhava, fizeram uma vaquinha para comprar os ingredientes da torta de carne e pediram para minha mãe fazer. Ela atendeu o pedido, claro. Na sexta-feira santa, bolinho de bacalhau é imprescindível. Muitas vezes como só o bolinho, e vários! Ela também é muito boa com bolos. Em aniversários ou na hora do café da tarde, sempre há um belo bolo sobre a mesa. Claro que há muita memória afetiva em tudo isso, mas cozinhar também é uma forma de ser carinhoso. E carinho é bom, não é? Carinho enche barriga.

 No começo da minha adolescência o paladar se ampliou: as redes de fast food começaram a fazer parte da vida. Ir ao shopping e comer no McDonald's passou ser o programa principal. Isso no final dos anos 1980, decorrer dos 90. Hoje essas lanchonetes, essas bandeiras de grife, se multiplicaram: do Burger King ao Outback, passando pelo Habib's, Giraffas... Isso sem falar na trash food, os “dogão”, churrasquinho grego, uma “sub-rede” de lanches que, sinceramente, acho até mais gostosa. Tem de tudo um prato, de tudo um preço, para todos os gostos.

 A vida, as obrigações e tecnologia avançaram, o sistema de delivery se aperfeiçoou e vieram os aplicativos, como o Ifood. Somando essa facilidade de pedir comida, com a falta de tempo, cozinhar ficou cada vez mais “trabalhoso”. Sair cedo de casa, trabalhar, estudar, levar filho para a escola, buscar filho no curso (natação, balé...), afazeres do lar e ainda ter que cozinhar? Nem pensar. Com a maioria das pessoas afogadas em rotinas, essas redes de fast food começaram chegar mais cedo à boca das crianças. Isso sem falar em uma série de guloseimas industrializadas. Imagine o quanto isso uniformiza o paladar. Teremos gerações futuras com o paladar formado pela indústria alimentícia e, talvez, elas se “reeduquem” quando adultas. Deve ser triste não ter um carinho gustativo para lembrar.

 Claro que também utilizo os aplicativos para pedir comida, e tem muita coisa gostosa para comer. Mas igual à de casa, da mãe, não tem concorrente que supra o sabor, que vai além da mera degustação. O mais curioso é que existem restaurantes que oferecem a seus clientes a tal “comida caseira”. Só não fornecem a lembrança junto, porque a comida feita em casa leva um tempero que só existe na nossa memória. Está lá gravado, não se cozinha isso. Inclusive no dia das mães vou até a casa dos meus pais para almoçar, não só uma bela refeição, mas também alguma lembrança bem boa. E irei em outras datas porque haverá um dia em que a sexta-feira santa não terá o mesmo sabor. Bom apetite a todos.


AB




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